Lira I
Convidou-me a ver seu Templo
O cego Cupido um dia;
Encheu-se de gosto o peito,
Fiz deste Deus um conceito,
Como dele não fazia.
Aqui vejo descorados
Os terníssimos amantes,
Entre as cadeias gemerem;
Vejo nas piras arderem
As entranhas palpitantes.
A quem amas, quanto avistas
(Diz Cupido) não aterra;
Quem quer cingir o loureiro
Também vai sofrer primeiro
Todo o trabalho da guerra.
Contudo, que te dilates
Neste sítio não convenho;
Deixa a estância lastimosa,
Vem ver a sala formosa
Aonde o meu sólio tenho.
Entre noutro grande Templo;
Que perspectiva tão grata!
Tudo quanto nele vejo
Passa além do meu desejo,
E o discurso me arrebata.
É de mármore, e de jaspe
O soberbo frontispício;
É todo por dentro de ouro;
E a um tão rico tesouro
Inda excede o artifício.
As janelas não se adornam
De sedas de finas cores;
Em lugar dos cortinados,
Estão presos, e enlaçados
Festões de mimosas flores.
Em torno da sala augusta
Ardem dourados braseiros,
Queimam resinas que estalam,
E postas em fumo exalam
Da Panchaia os gratos cheiros.
Ao pé do trono os seus Gênios
Alegres hinos entoam;
Dançam as Graças formosas,
E aqui as horas gostosas
Em vez de correrem voam.
Estão sobre o pavimento
Igualmente reclinados,
Nos colos dos seus amores,
Os grandes Reis, e os Pastores,
De frescas rosas coroados.
Mal o acordo restauro,
Me diz o moço risonho,
Como ainda não reparas
Em tantas coisas tão raras,
De que este Templo componho?
Sabes a história de Jove?
Aqui tens o manso Touro,
Tens o Cisne decantado,
A Velha em que foi mudado,
Com a grossa chuva de ouro.
Aplica, Dirceu, agora
Os olhos ara esta parte,
Aqui tens a Lira d'ouro
Que inda estima o Pastor louro;
E a rede que enlaça a Marte.
Vês este arco destramente
De branco marfim ornado?
À casta Deusa servia,
E o perdeu quando dormia
Do gentil Pastor ao lado.
Vês esta lira? com ela
Tira Orfeu ao bem querido
Dos Infernos onde estava:
Vês este farol? guiava
Ao meu nadador de Abido.
Vês estas duas espadas
Ainda de sangue cheias?
A Tisbe, e a Dido mataram;
E os fortes pulsos ornaram
De Píramo, e mais de Enéias.
Sabes quem vai no navio,
Que este mar se levanta?
É Teseu. Vês esse pomo?
É de Cípide, assim como
São aqueles de Atlanta.
Vê agora estes retratos,
Que destros pincéis fizeram,
Ah! que pinturas divinas!
Todas são das heroínas,
Que mais vitórias me deram.
Repara nesse semblante,
É o semblante de Helena;
Lá se avista a Grega armada,
E aqui de Tróia abrasada
Se mostra a funesta cena.
Vê est'outra formosura?
É a bela Deidamia;
Lá tens Aquiles ao lado,
De uma saia disfarçado,
Como com ela vivia.
Cleópatra é quem se segue:
Ali tens lançado a linha
Marco Antônio sossegado,
Ao tempo em que Augusto irado
Com armada nau caminha.
Aqui Hérmia se figura;
Vê um Sábio dos maiores,
Qual infame delinqüente,
Ir desterrado, somente
Por cantar os seus amores.
Este é de Ônfale o retrato;
Aqui tens (quem o diria!)
Ao grande Hércules sentado
Com as mais damas no estrado,
Onde em seu obséquio fia.
Anda agora a est'outra parte,
Conheces, Dirceu, aquela?
Onde vais, lhe digo, explica,
Que beleza aqui nos fica,
Sem fazeres caso dela?
Ergo o rosto, ponho a vista
Na imagem não explicada,
Oh! quanto é digna de apreço!
Mal exclamo assim, conheço
Ser a minha doce amada.
O coração pelos olhos
Em terno pranto saía,
E no meu peito saltava;
Disfarçando amor, olhava
Para mim a furto, e ria.
Depois de passado tempo,
A mim se chega, e me abala;
Desperto de tanto assombro;
Ele bate no meu ombro,
E assim afável me fala:
Sim, caro Dirceu, é esta
A divina formosura,
Que te destina Cupido;
Aqui tens o laço urdido
Da tua imortal ventura.
Um Nume, Dirceu, um Nume,
Que os trabalhos de um humano
Desta sorte felicita,
Não é como se acredita,
Não é um Nume tirano.
Olha se a cega Fortuna,
De tudo quanto se cria,
Ou nos mares, ou na terra,
Em seus tesouros encerra
Outro bem de mais valia?
Lisas faces cor-de-rosa,
Brancos dentes, olhos belos,
Lindos beiços encarnados,
Pescoço, e peitos nevados,
Negros, e finos cabelos,
Não valem mais que cingires,
Com braço de sangue imundo,
Na cabeça o verde louro?
Do que teres montes de ouro?
Do que dares leis ao mundo?
Ah! ensina, sim, ensina
Ao vil mortal atrevido,
E ao peito que adora terno,
Que tem, para um o Inferno,
Para outro um Céu, o Cupido.
Ao resto Amor me convida,
Eu chorando a mão lhe beijo,
E lhe digo: Amor, perdoa
Não seguir-te; pois não voa
A ver mais o meu desejo.
INTERPRETAÇÃO:
Esta
lira faz alusão a vários contos e mitos da história, por exemplo, quando ele
fala do cisne se refere a lenda de Leda a quem Júpiter possuiu quando era um cisne, outro exemplo é Cleópatra filha de Ptolomeu XIII e rainha do Egito, seduziu
sucessivamente a César e a Marco Antônio, quando Marco Antonio foi derrotado
por Otávio a rainha suicidou-se, deixando se picar por uma cobra. Toda a lira
retrata momentos de traição, desencontros, e de muita decepção, por fim o amor
vence e ele se arrende ao perdão dado a sua amada, ou pelo menos o prometido
perdão.
CARACTERÍSTICAS DO ARCADISMO:
Uma das mais exploradas
características foi, sem dúvida, a suntuosidade e, de certo modo, a
complicação, principalmente da forma exterior (cultismo), além de perturbar a
sinceridade e lógica clássica. Daí o sentido pejorativo. Um dos postulados
básicos de Neoclassicismo é exatamente a reação ao preciosismo e confusão do
estilo barroco, ou seja, o Neoclassicismo significou antes de tudo, como a
própria palavra explicita um retorno ao equilíbrio, à simplicidade da
linguagem e de ideias da literatura. A imitação dos modelos clássicos volta à
tona, e a razão, mais uma vez, tem dias de glória. Esse racionalismo, essa
fundamentação racionalista, na literatura configurada na aceitação e volta ao
pensamento e cultura clássica. É explicito o bucolismo, onde o autor regressa
ao seu passado constantemente.
CARACTERÍSTICAS DA LIRA:
Esta
lira tem uma linguagem estereotipada da mitologia, do retrato da mulher ideal
que, no fundo, são decorrências do imperativo da razão e da lógica. Temos
manifestações pré românticas que é fato incontestável o
caráter transitório do Arcadismo. Assim ao mesmo tempo em que se busca o
primado absoluto da razão, cultiva-se o sentimento, a sensibilidade, o
irracionalismo, características tipicamente românticas. Falam de amores,
desenganos e traições, porém a figura da pastora não mais se encontra presente
com tanta intensidade são dedicadas não apenas a Marília, mas também a outras
pastoras.
SITUAÇÃO
HISTÓRICA:
Na terceira parte provavelmente o autor a escreve após o exílio, e
retrata um momento de desapego com a vida, de busca por uma motivação.
GLOSSÁRIO:
Terníssimos – amorosos apaixonados;
Piras
- perder o equilíbrio mental;
Loureiro
- nome popular de uma espécie de cerejeira nativa;
Dilates
– aumentar de tamanho;
Jaspe
– pedra fina e opaca;
Frontispício
- a fachada de uma construção;
Urdido
– enredado;
Suelen Soares / 1ºE / 36
Concordo com minha colega, pois além dela ter feito uma ótima interpretação, ela no tópico características do arcadismo procurou entrar em mais detalhes, o que faz da lira ser interpretada com mais facilidade.
ResponderExcluirLaura Marques Garcia
N°23 1°E
Em minha opinião, a lira escolhida pela aluna Suelen foi bem analisada, de modo que eu tenha compreendido facilmente.
ResponderExcluirRebeca Schneider Kunzendorff / n: 33/ 1E
A análise foi muito completa e rica em detalhes, concordo com a interpretação e acredito que a análise dessa lira proporcionou um grande aprendizado à aluna, justamente por causa dos detalhes abordados.
ResponderExcluirJéssica Paula de Lima Nolasco. / nº17 / 1ºE
A aluna Suelen analisou a lira muito bem. Concordo com todos os tópicos que foram aplicados de forma simples e rica em detalhes.
ResponderExcluirDébora Facundes nº08 1ºE
Sua análise está muito bem detalhada,concordo com sua intepretação que foi muito bem abordada e com seus outros tópicos que foram explicados de forma simples e objetiva.
ResponderExcluirAna Caroline L.Henrique nº04 1ºE